Faz pouco menos de um mês que as vacinas CoronaVac e AstraZeneca chegaram ao Brasil e foram aprovadas para uso emergencial pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A aplicação do imunizante começou em 17 de janeiro, em São Paulo, e, desde então, os demais estados brasileiros começaram uma corrida contra o tempo para imunizar a população do grupo de risco contra a Sars-Cov 2.
Contudo, em questão de dias a vacinação no país começou a dar sinais de que algo estava errado. No Amazonas, estado que entrou em colapso após a variante da Covid-19 vitimar milhares de pessoas, houve uma série de erros na distribuição das vacinas, o que obrigou o governo de Manaus a paralisar a aplicação do imunizante para reformular a campanha.
Outros estados e o Distrito Federal também apresentaram falhas no gerenciamento da vacinação e até casos de pessoas furando fila vieram a público. Em entrevista para o portal Metrópoles, a ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde, Carla Domingues, disse que o Brasil corre o risco de ficar sem vacina. Segundo ela, “na realidade, estamos em desorganização total. Faltou planejamento, e cada estado ou município está fazendo uma ação diferenciada”.
Para a administradora, doutora e professora de Marketing e Logística do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), Marli de Fátima Ferraz da Silva Tacconi, o Sistema Único de Saúde (SUS) é experiente e referência em campanhas vacinais. Entretanto, o principal erro de todo o processo relacionado à vacinação contra Covid-19 foi a falta de planejamento agregado. “Desenvolvido meses antes da efetiva execução do serviço de aplicação das vacinas contra a Covid-19. Sem o bom desenvolvimento dessa atividade, todas as demais tornam-se atropeladas e improvisadas. O que remete a serviços com baixa qualidade e ineficiência”, explica.
A professora diz que o planejamento agregado começa meses antes com o levantamento da quantidade e do momento da demanda de aplicação da vacina contra a Covid-19, a fim de verificar todas as necessidades operacionais. Em seguida, dá-se início ao planejamento operacional para definir os diferentes pontos de vacinação, como deve ser a sequência e o volume de vacinação, de acordo a sua capacidade de prestação de serviço, a forma de monitoramento de aspectos como temperatura, umidade e luz, o armazenamento, os transportes, a definição das rotas, o rastreamento e a segurança necessária para as vacinas e os insumos diretos.
Logística – gargalo no país
A sucessão de erros com relação à campanha contra Covid-19 ocorreu, contudo, por falhas estratégicas da logística de vacinação. Marli cita todas as etapas que deixaram a desejar. “Precisava-se ter calculado o número de vacinas disponíveis no exterior e os demais insumos para produzir o imunizante no Brasil (previsão da demanda); faltou mapear e desenvolver boas negociações com os possíveis fornecedores de vacinas e insumos para a sua fabricação (logística inbound); não se calculou antecipadamente os estoques de seringas, agulhas, equipamentos de proteção individual (EPIs), câmaras frias, entre outros, para operacionalizar a vacinação. Além de toda a burocracia envolvida em processos licitatórios (logística inbound), não se organizou a cadeia de suprimentos, que envolve transportadores, atacadistas e intermediários com know how na distribuição de materiais farmacêuticos e hospitalares que precisam seguir rigorosos protocolos definidos pela Anvisa”, enumera a administradora.
Filas, falhas de comunicação e outros problemas
Muitos estados registraram problemas básicos como enormes filas e desencontros de informações. Imprevistos do tipo podem acontecer mesmo quando há um bom planejamento. Contudo, o gerenciamento inadequado da logística implicará em uma maior ocorrência de problemas nos postos de vacinação.
“A operacionalização na aplicação das vacinas é uma atividade do processo produtivo de prestação de serviço, que precisa ser planejado junto com a logística. Não tem como prestar o serviço de vacinação sem os materiais necessários. Para sanar esse problema é preciso contratar profissionais de Administração com expertise para esse tipo de ação”, comenta Marli.
De acordo com a professora, as filas nos pontos de aplicação das vacinas são a ponta do iceberg dos diferentes problemas gerenciais que não estão sendo bem administrados. “Estamos diante de uma oferta de serviço em massa, na qual existe escassez de diferentes produtos e não se pode operar de forma improvisada, do tipo ‘o que vamos fazer amanhã?’”, diz.
Para contornar o problema, o recomendado é que cada município faça um levantamento da demanda, verifique o local de estocagem e transporte de insumos e realize um cadastramento das pessoas que serão vacinadas, além de identificar a capacidade da mão de obra que será necessária para executar o processo. Marli aponta que, a partir disso, é possível agendar o dia e o horário no qual o indivíduo receberá a vacina, organizando a questão de tempo e lugar para uma oferta de vacinação mais confortável e com pouca incidência de filas.
Com relação a comunicação, o ponto chave é restringir as fake news. “Isso pode gerar um receio contra a vacina e a aglomeração de pessoas em locais inadequados. Para minimizar o problema, é importante reafirmar a importância das campanhas oficiais de vacinação com informações corretas aplicadas nos diferentes veículos de divulgação”, conta.
Próximas fases – como não cometer os mesmos erros
Como o planejamento não foi desenvolvido de forma adequada, a saída é identificar os gargalos para definir a melhor estratégia para operacionalizar a aplicação das vacinas. O país conhece a demanda e tem informações sobre a idade da população e sua localização. Entretanto, a oferta do imunizante é irregular e incerta.
“Não é possível vacinar uma parte da população, por exemplo, com a necessidade de uma segunda dose, que tem período certo, na qual não se sabe se novas doses chegarão a tempo dessa aplicação. Isso reforça a importância dos administradores especializados na área de saúde para organizar tudo isso”, ressalta Marli.
Outro detalhe importante do processo de vacinação e que houve muitas falhas nessa fase inicial é a forma de controle das doses de vacina ministradas. A administradora orienta sobre a importância de os municípios disponibilizarem em seus portais, de forma transparente, a listagem de todas as pessoas que estão sendo vacinadas.
“Essa estratégia poderia diminuir o problema das pessoas que estão furando a fila do plano de vacinação e uma maior efetividade no atendimento ao público prioritário”, afirma, reforçando que as falhas só podem ser minimizadas com um bom planejamento agregado e operacional, bem como com a aplicação de estratégias logísticas que considerem todas as particularidades e dificuldades envolvidas na vacinação. “Essas atividades administrativas bem desenvolvidas é que permitirão aos centros de vacinação, na etapa final de todo esse processo, fazer o seu trabalho de forma organizada e efetiva”, recomenda Marli.
Ana Graciele Gonçalves
Assessoria de Comunicação CFA