Amanhã, dia 20, é o Dia da Consciência Negra. A data foi criada para estimular a sociedade brasileira a refletir sobre a escravidão africana no Brasil, debater as desigualdades raciais, celebrar a cultura afro-brasileira e ratificar a importância de combater o racismo em todas as suas formas.
Na história do Brasil, a escravidão é, sem dúvida, um dos capítulos mais tristes e vergonhosos. Nos relatos do historiador Laurentino Gomes, no seu livro 1808, “entre os séculos XVI e XIX, cerca de 10 milhões de escravos africanos foram vendidos para as Américas. O Brasil, maior importador do continente, recebeu quase 40% desse total, algo entre 3,6 milhões e 4 milhões de cativos, segundo as estimativas aceitas pela maioria dos pesquisadores”¹.
Esses dados referem-se apenas aqueles que conseguiram sobreviver à longa viagem do continente africano até o Brasil. A travessia de navio durava quase 40 dias e muitos morriam pelo caminho. Outros ficaram doentes e foram jogados ao mar. “Em resumo, de cada cem negros capturados na África, só 45 chegavam ao destino final. Significa que, de dez milhões de escravos vendidos nas Américas, quase outro tanto teria morrido no percurso, num dos maiores genocídios da história da humanidade”², relata Laurentino em seu livro.
O tráfico de escravos no país era um negócio que movimentava muito dinheiro. Muita gente ficou rica vendendo pessoas como se fossem uma simples mercadoria. Homens eram separados de suas esposas, filhos separados de suas mães e famílias inteiras foram totalmente destruídas para encher o bolso dos traficantes.
Os lucros eram altos, mas a pressão abolicionista pôs fim a este tipo de situação. Ainda sim, é triste dizer que o Brasil foi o último país das Américas a abolir com a escravidão. Apesar disso, os resquícios da maldade contra a população negra permanecem no país, em pleno século XXI. A Constituição da República de 1988 deixa bem claro que o racismo é crime inafiançável e imprescritível.
Ainda sim, a sociedade brasileira carrega a chaga do racismo. Talvez, não de forma explícita. Percebemos que há um racismo estrutural e institucional, fruto certamente da herança escravagista que esteve por anos presente em nosso país. Hoje, apesar de a população brasileira ser composta por 54% de pessoas negras, como mostra o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população negra ainda enfrenta dificuldades no mercado de trabalho, por exemplo.
Percebemos que, indiretamente, há poucos negros em cargos de gestão. Nas instituições de ensino, eles também são minoria. Ainda bem que, aos poucos, esse cenário vem mudando após o Brasil implementar a política de cotas raciais. No próximo ano, aliás, a lei que garante uma porcentagem de vagas para estudantes negros nas universidades completará dez anos.
Os concursos públicos também precisam destinar parte de suas vagas para pessoas afro-brasileiras. E as empresas privadas mais engajadas na luta contra o racismo estimulam a candidatura de pessoas negras em diversos cargos. Talvez essas medidas não sejam suficientes para reparar anos de escravidão, mas servem para dar voz e lugar aqueles e aquelas que são capacitados, que estudaram muito, mas que até então não tinham oportunidades ou eram preteridos nas seleções simplesmente por terem uma cor diferente.
Ainda sim, é assustador saber que os negros sofrem mais agressões policiais, são mais abordados por serem considerados suspeitos em lojas e supermercados e as mulheres negras sofrem mais violência obstétrica do que as demais. Entre as crianças, os dados são preocupantes: quando o assunto é trabalho infantil, 62,7% da mão de obra precoce é negra. Os pequenos também são mais vulneráveis a violência, abusos e abandonos de todas as espécies.
Evidente que ainda é preciso trabalhar muito para que essas disparidades sejam diminuídas ou, melhor, dizimadas. Por isso, é preciso que esse assunto não seja discutido apenas no dia 20 de novembro, mas faça parte da pauta dos gestores e legisladores deste imenso país. Não basta ser contra o racismo, é preciso criar ações e políticas para pôr fim a essa situação. A sua empresa tem criado programas para estimular a ascenção de profissionais negros a cargos de liderança? Você, enquanto gestor, promove discussões sobre diversidade racial entre os colaboradores? Precisamos, urgentemente, falar desse assunto.
Nós, do Conselho Federal de Administração, já falamos e voltamos a dizer: repudiamos qualquer tipo de racismo e discriminação. Nossa tolerância é zero para esse tipo de absurdo e nos solidarizamos com a população negra, no Brasil e no mundo, que, infelizmente, ainda precisa enfrentar este mal.
Adm. Mauro Kreuz
Presidente do Conselho Federal de Administração
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Referências:
¹GOMES, Laurentino. 1808: Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. São Paulo: Ed. Planeta, 2014, p. 211.
²Ibidem. p. 213.