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Palavra do Presidente – O que a guerra tem a ver com gestão?

Adm. Mauro Kreuz*

 

Toda e qualquer guerra não é legítima do ponto de vista humano. Além dos prejuízos sociais, conflitos armados geram perdas econômicas incalculáveis. Mas, o pior de tudo é que na guerra ou nas guerras, a maior parte das pessoas vitimadas são inocentes e não os causadores.

Do ponto de vista da gestão, as guerras geram obviamente desdobramentos muito complexos porque afetam os sistemas políticos e econômicos dos países envolvidos diretamente no embate. Entretanto, em um mundo globalizado e de economias interligadas, todas as economias tendem a ser afetadas negativamente com o advento de um conflito.

Essa guerra deflagrada na Ucrânia, em particular, tinha tudo para ser evitada. Faltou, na verdade, uma liderança mais habilidosa à revelia dos interesses geopolíticos estratégicos que estão subjacentes a este conflito. Nós tínhamos à mesa, do ponto de vista geopolítico, todas as condições para que essa terrível guerra não acontecesse.

Na verdade, eram questões simples e complexas, mas solucionáveis. Todavia, agora iniciou-se um processo sem volta cujas consequências serão terríveis não só para Rússia, não só para a Ucrânia, mas fundamentalmente para o mundo e para a Europa como um todo.

Mas, afinal, por que a Ucrânia virou o centro das atenções geopolíticas do mundo? No mapa mundi, o país aparece timidamente em meio a tantos outros países. Apesar da sua aparente pequenez, o território ucraniano é um dos mais importantes da Europa. Seu solo é rico em minérios como urânio, titânio, manganês e ferro. A Ucrânia tem cerca de 20 trilhões de metros cúbicos de reservas de gás de xisto.

A Ucrânia também se destaca pelo seu potencial agrícola capaz de atender as necessidades alimentares de 600 milhões de pessoas. Atualmente, o país ocupa os primeiros lugares quando o assunto é produção de milho, trigo, cevada, batata, entre outros. Sem contar que a Ucrânia também é altamente industrializada.

Para se ter ideia da pujança da sua economia, a Ucrânia tem o quarto maior sistema de gasodutos da Europa no mundo: são 142,5 bilhões de metros cúbicos de capacidade de fluxo de gás na União Europeia. O continente depende do gás russo e também da energia da própria Ucrânia. Veja, nós temos dois gasodutos naquela região: o um passa pela Ucrânia; já o dois desvia de terras ucranianas. Por isso, o país é um dos epicentros desse grande conflito. Politicamente falando, isso incomodou interesses geopolíticos graves.

Precisamos compreender isso quando falamos dessa guerra. Não estamos falando de um país qualquer. Essa guerra não é um conflito local. Pelo contrário! Trata-se de um enorme perigo para o mundo. Ao invadir a Ucrânia, a Rússia ocupou a região de Chernobyl. O local ficou conhecido após o maior acidente nuclear da história e, caso sofra com os ataques bélicos, outro desastre pode acontecer e destruir não só a Ucrânia, mas também outros países europeus.

Nesse cenário, as economias serão atingidas e, obviamente, os sistemas produtivos e os agentes econômicos no Brasil, na América Latina, na América do Norte, na Europa, na Ásia tenderão a ser fortemente afetados. Ora, quem opera os sistemas produtivos são as empresas, são as organizações que precisam avaliar os impactos dessa guerra à luz da gestão.

Nesse sentido, não tenho dúvidas de que uma guerra tem tudo a ver com a gente, tem tudo a ver com a administração, tem tudo a ver com a avaliação e mitigação dos riscos sobre as relações internacionais, sobre os preços internacionais, sobre as consequências domésticas no caso do Brasil. Isso irá, sem dúvida nenhuma, causar um forte impacto.

Nós vamos ter preços internacionais afetados, teremos o dólar – moeda que lidera as transações internacionais – subindo a patamares inimagináveis. Se nós já tínhamos experiências inflacionárias preocupantes com a perda de poder aquisitivo, se nós já tínhamos problemas muito sérios na questão da gasolina, nos derivados do petróleo, do óleo diesel e do gás, isso tenderá a obviamente a se agravar. Além disso, todas as relações no campo diplomático vão sofrer, pois dela deriva todas as questões políticas e econômicas com as suas vantagens e desvantagens.

Neste caso, obviamente, todos os preços que hoje estão ancorados pela moeda norte-americana vão sofrer. Temos que entender, ainda, que hoje a energia brasileira e parte da nossa economia estão dolarizadas. Por isso, um conflito mundial com estas dimensões que hora se inicia terá consequências que ainda a gente não consegue avaliar na sua plenitude, mas com certeza não terá nenhuma consequência positiva, em especial para o Brasil, para a governança brasileira e das empresas que sustentam a economia do país.

O momento nos exige uma profunda análise. Cada setor da economia  precisa fazer uma avaliação e uma mitigação dos riscos. Tem setor que depende do comércio internacional. O agronegócio brasileiro, que hoje é a grande alavanca econômica do país e está ancorada  nas commodities agrícolas, por exemplo, tenderá a sofrer muito com essa guerra devido a provável elevação nos preços de fertilizantes.

Já há uma preocupação latente acerca desta questão. E não é à toa: a produção agrícola do Brasil depende dos fertilizantes nitrogenados produzidos pela Rússia. Atualmente, o país importa mais de 80% deste produto e, caso haja uma proibição da compra desse insumo, as próximas safras brasileiras estarão comprometidas.

Não restam dúvidas de que, certamente, nós teremos um abalo significativo nas economias do mundo todo e isso vai impactar fortemente os sistemas produtivos e, consequentemente, a administração das organizações que estão dentro desse sistema produtivo dos mais diferentes segmentos econômicos.

A gestão e a guerra têm toda a correlação do ponto de vista pragmático. Não há como dissociar uma guerra, em especial esta que se inicia, da gestão das corporações, da gestão da governança pública. Obviamente que há uma correlação muito forte isso porque se os sistemas políticos e econômicos são afetados, as organizações são afetadas também.

Logo, não há como dissociar guerra e gestão, não há como dissociar guerra da administração. Aliás, o conflito se iniciou por uma falta de administração na sua maior habilidade, no seu ecletismo que lhe é peculiar, que é a habilidade de negociar interesses e de sobrepor esses interesses para que evite os danos de uma guerra que é sempre pior do que qualquer legítimo interesse econômico ou geopolítico que estiver em jogo.

 

*Presidente do Conselho Federal de Administração

 

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